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P.C.P.B. (PARTE 1)

- Esse moleque ainda vai entrar no P.C.P.B.

Essa frase não sai da minha cabeça até hoje. Durante alguns anos eu tentava descobrir o que significava aquela sigla. Eu tinha 19 anos quando tudo começou. Sempre que minha mãe e eu íamos passar férias na casa do meu tio, em Teresápolis, eu ficava meio desenturmado. Meu primo, já com 19 anos, carro, namorada, amigos... tinha ido passar as férias no Rio. Minha mãe e a irmã aproveitavam pra matar as saudades, saíam, conversavam... ficavam juntas o dia inteiro. Sá sobrava então a piscina... e o meu tio.

Tio Nelio era um amor de pessoa. Super carinhoso e atencioso com todos, vivia cercado de amigos. Religioso, bom pai, bom marido... o tipo de homem pacato. Passava todo o dia cuidando do sítio e a noite, quase todas as noites, reunia os amigos para jogar cartas. Ele me conhecia desde que eu nasci e era com ele que me sentia um pouco mais a vontade naquela casa. A princípio aquele velho senhor de barriga dura, olhos verdes, barba grisalha e corpo hiper-mega-ultra peludo não era a companhia

que eu sonhava para as minhas férias. A princípio.



Até o ano anterior ao de 1998 eu e meu primo ainda tínhamos algo em comum. Futebol, video-game, piscina... mas ele já começava a se distanciar um pouco. Era inevitável que em 99 eu já não o encontrasse por lá. E foi justamente naquele ano que tudo começou.

Noites e mais noites de buraco, acompanhando da rede, onde eu ficava me balançando e jogando "brick game" os 4 amigos se divertindo, bebendo cerveja e conversando, enquanto os grilos cricrilavam no jardim.



Vez ou outra meu tio chamava por mim, perguntava se estava tudo bem, depois voltava ao jogo e ao bate-papo com os amigos. Nunca prestei atenção neles.

15 dias de férias... um tédio sem tamanho. Minha mãe já não aguentava mais meus pedidos pra ir embora pra casa, mesmo que em casa não tivesse nada de tão diferente assim pra fazer. Mas não tinha jeito... mais 19 dias pela frente.

O video-game do Neco, meu primo, já tinha perdido a graça. A piscina sá durava 19 minutos, no máximo.



- Felipe, 'cê não quer jogar com a gente?

- Não sei jogar buraco não tio...

- Sabe jogar "roba-montinho"?

- Sei.

- Então vem, hoje o Valdir não vem.

Valdir, Zequinha e Lula eram os 4 amigos do tio Nelio que sempre estavam por lá. Todos mais ou menos parecidos... aparentando uns 5560 anos, bigode, barba, chapéu, cigarro, cerveja e barrigas! Todos eram barrigudos! Eu ficava imaginando que todo homem fica barrigudo quando envelhece. Ficava notando as barrigas, como se me enxergasse numa delas, num futuro ainda distante.

Sentei na mesa e comecei a reparar melhor os amigos do meu tio, que até aquele dia eu não conhecia direito.

- Teu nome é Felipe guri?

- É.

- Senta aqui que tu vai ser dupla do teu tio.

- Quantos anos tu tem?

- Faço 19 mês que vem.

- Bah... já é rapaz. Achei que fosse mais guri.

Lula e Zequinha eram irmãos. Tinham um sítio perto dali e moravam sozinhos. Vieram do sul anos atrás fugindo do passado: tinham perdido as famílias num acidente de carro. Lula tinha 53 anos, um enorme bigode preto que contrastava com a sobrancelha grossa e o cabelo grisalhos, pele branca, olhos azuis. Zequinha tinha 57, era baixinho, careca na coroa da cabeça, cabelo e barba branca, olhos azuis e pele igualmente alva. Eram tão branquinhos que ficavam rosados em dias de sol. Até hoje não sei se eram gaúchos ou catarinenses, mas carregavam no sotaque e adoravam cerveja e churrasco.

Valdir, que eu conheci no dia seguinte, era o mais velho da turma, 59 anos (meu tio com 51 era o mais jovem). Tentava manter o rosto liso, mas não conseguia pois a barba parecia crescer da noite pro dia numa velocidade impressionante. Tinha a mania de passar a mão pelo rosto repetidas vezes durante o jogo. De tão cerrada a barba, fazia barulho, e os cismavam que era truque dele com meu tio. Os velhos brigavam toda noite.

- Felipe, sabe jogar buraco?

- Sei não sr. Valdir.

- Então precisa aprender garoto. Dá uma coça nesses maricas.

- Marica é teu passado.

- Felipe, esse aí adora arranjar confusão. Tu não vai não onda dele hein.

- Nelinho, tu sabe quem chegou hoje de manhã na cidade?

- Quem Valdir?

- O Carlinhos.

O alvoroço que se fez na mesa, mesmo que contido, tinha sentido, mas eu não entenderia nada naquele ano, nem mesmo aprenderia a jogar buraco.



1999. Novas férias na casa do Tio Nelio. Os 19 últimos dias de férias do ano anterior foram como um lento aprendizado pra mim, que nada sabia das cartas, mas que agora sonhava em jogar com aqueles caras. Principalmente depois que o tal Carlinhos apareceu pra jogar. Era um cara mais agitado, mais novo (beirava os 45 talvez) e não costumava ir sempre. Mas era ele quem trazia as apostas para a mesa, embora eu não tivesse descoberto o que na verdade eles apostavam.

Os jogos naquele verão eram mais raros, mas aconteciam e eu rapidamente aprendi. Durante o dia eu treinava um pouco com meu tio Nelio e a noite me arriscava em uma partida ou duas com os mais velhos. O problema é que eu sempre perdia.

Numa das vezes o Carlinhos fez dupla comigo e pela primeira vez venci. Foi quando ouvi pela primeira vez a frase:

- Esse menino é bom! Vai entrar no P.C.P.B.

Os outros riram, sem graça, olhando meio de rabo de olho pro meu tio, que ouvia da rede. De lá, ele retrucou:

- Eu ouvi hein Carlinhos!

Não se tocou mais no assunto naquela noite. Eu naturalmente perdi e fui dormir em seguida, sem dar muita importância ao assunto.

No café da manhã cometi um erro.

- Ganhou alguma ontem Felipe?

- Ganhei sim tia. Joguei com o Carlinhos e ganhamos.

- O Carlinhos estava aí ontem Nelio? Eu nem vi.

- Tava sim.

- Ele até falou que eu vou entrar no P.C.P.B.!

- No que?

De supetão meu tio interrompeu a conversa:

- O Carlinhos comprou uma pick-up nova Dete.

- Ah é?

E a conversa seguiu pra outros assuntos que não me envolviam, como quase sempre.



Naquele dia notei meu tio mais pensativo e também mais observador, mais quieto. Como de costume, fui dar um mergulho depois do café, aproveitar o sol. Vi meu tio sentado na varanda, o jornal de lado, olhando pra mim.

- Vem tio.

- Tá muito gelada?

- Nada... tá quentinha.

- Nelio, a gente tá indo no centro fazer compras. Vou deixar o feijão cozinhando... você desliga ele daqui meia hora?

- Pode deixar. Vai de carro?

- Vou sim. Não vamos demorar.



Minha mãe e minha tia saíram, meu tio entrou. Voltou de sunga azul, camiseta regata, largou o chinelo na beira da piscina, deu um chute na água com a ponta do dedão e comentou que a água estava fria. O sol ofuscava um pouco a minha visão, mas via que apesar da idade meu tio tinha belas pernas pra quem odiava futebol. Jogou a camiseta numa cadeira e sentou na beirada, uma perna

pra dentro da água e a outra apoiada na borda. Espremia o corpo como se estivesse com vergonha de alguma coisa. Olhava para o nada. Parecia distraído com alguma coisa.

- Entra tio. - me aproximei dele.

- ãh?

- Não vai entrar?

Ele se jogou na água de uma vez, tremendo de frio com a água ainda gelada para aquele corpo super peludo, que devia estar pegando fogo de calor. Ele trincava os dentes e sorria pra mim, sem graça.

- Sabe que faz tempo que eu não entro nessa piscina?

- Sério? Quanto tempo?

- Não sei... talvez 1 ano.

- E quando foi a última vez?

- Ah... foi um churrasco que fizemos aqui. Eu, o Carlinhos, o Valdir...

- E os outros?

- ãh? Os outros? Ah... eles também vieram.

Ele acordou e começou a se movimentar um pouco na água, pra se aquecer. Foi até a outra borda e tirou uma folha seca da água.

Começou a abaixar e levantar a cabeça, apoiando as mãos na borda, respirando nos intervalos. Me aproximei e nem percebi que ali era fundo, uns 2 metros talvez. Tive que bater os pés pra não afogar e isso chamou a atenção dele, que me viu do lado.

- Aqui é fundo!

- É...

- Sabe nadar?

- Mais ou menos. O que o sr. tá fazendo?

- Tô fazendo respiração, pra me acostumar um pouco com a água. É bom pra relaxar os músculos.

- Como se faz?

- Segura na borda. Puxa o ar, mergulha a cabeça na água e solta pelo nariz. Levanta e puxa mais ar. Vai fazendo isso.

- Assim?

Tentei fazer, meio desengonçado.

- É... mais ou menos. Assim á.

Meu tio me abraçou por trás e prendeu minhas mãos na borda, sob as dele.

- Respira. Isso. Agora abaixa... Isso... soltou o ar? Agora de novo.

Da segunda vez ele me acompanhou. Sentir aquele monte de pelos nas minhas costas não era a única sensação esquisita. As mãos dele segurando as minhas, o corpo dele colado e guiando o meu naquele sobe e desce... e aquela pontada leve que eu comecei a sentir na bunda...

Ele fugiu pra outra borda, quase me afogando de susto. Nadei pra lado dele, mas demorei um pouco pra chegar lá. Nisso, ele já tinha saído da piscina, voltando ao jornal. Eu também não demorei pra sair. Me enorlei no roupão e fui pro quarto. Por lá fiquei, pra jogar video-game.

Meia hora se passou e lembrei do fogão!

- Tio! Olha o fogo!

- Tio! Tiiiio!

Quando eu ia levantar dei de cara com ele na porta, me olhando.

- Já desliguei Felipe. Pode deixar.

- Ah tá.

- O que tá jogando?

- Futebol.

- Ah ta... você já viu a coleção de revistas do teu primo?

- Não. Que revistas?

- Você guarda segredos?

- Guardo, por que?

- Aqui... vou te mostrar.

Ele abriu um baú, cheio de livros. Tirou uma pilha de uns 7 livros na lateral e pegou um punhado de revistas no fundo. Eram Playboy's.

Fiquei sem jeito. Eu já tocava umas, tinha uma revista em casa, mais explícita, com caras transando com mulheres, que um amigo tinha me emprestado. Não sabia muito bem como lidar com a situação.

- Não deixa tua tia nem tua mãe descobrir. Senão...

- Pode deixar tio.

- Você... você já viu uma dessas?

Ele apontou pra uma mulher, de perna aberta, a xoxota raspada aberta pelos dedos.

- Já... eu tenho uma revista, sá que com histária.

- Ah é? Quem te deu?

- Um amigo me emprestou.

Tio Nelio coçava o pau. O volume da sunga começava a crescer, mas como ele estava sentado não dava pra perceber muito bem. Nem tive chance porque ouvimos o carro chegando.

- Guarda ali, guarda. Depois a gente vê mais.

A gente ia ver sim, ia ver muito mais...



(CONTINUA...)