(Continuação de “EM NOME DE DEUS”)
Milan Kundera escreveu que a vertigem não é o medo de cair. É a voz do vazio, um vazio de morte certa, que nos atrai e nos envolve, é o desejo de cair do qual despertamos aterrorizados.
Durante os anos de igreja e casamento, estive sempre à beira do penhasco. Temendo com todos os horrores a queda mortal e ao mesmo tempo desejando provar o sabor do vazio sob meus pés. Foi essa a luta que travei em espírito cada momento desde que renunciei covardemente ao único amor da minha vida.
A minha queda no precipício era também minha liberdade. Então por que eu temia tanto? Porque a liberdade total e irrestrita, da qual eu podia desfrutar como o vinho que deliciosamente embriaga, era grande demais para um espírito habituado à s cadeias das proibições e do medo. O mundo fora da mentira que eu representava tristemente era assustadoramente infinito e pesado. Embora, portanto, eu o desejasse, sentia-me incapaz de ser livre, de viver quem de fato eu era.
Digo tudo isso para mostrar que o caminho ao qual eu me lancei foi de pedras e espinhos – mas eu saí enfim. Iniciei o processo de divárcio (minha esposa aflita e sem saber pelo que eu passava) e tive que me afastar da igreja, embora não da minha fé. Não contei a nenhum conhecido os meus motivos. Era tudo muito novo e assustador, preferi descobrir a liberdade em silêncio.
Nos primeiros momentos, estive como um sonâmbulo. Era difícil absorver tantas sensações novas. Movia-me pelo mundo, medindo cada passo e sempre receoso com o destino ao qual os novos caminhos me levariam. No entanto, em meio a tantas dúvidas e indefinições, eu sá tinha uma certeza: precisava reencontrar aquele que me ensinou o sexo e o amor. Embora durante esses anos em que fui casado nunca tenhamos conversado, eu sabia que ele ainda morava no mesmo lugar. Ãs vezes, vindo do trabalho, passava com meu carro em frente a sua casa na esperança de revê-lo, mas nunca tive sucesso.
Foi ansioso e com medo que numa tarde de domingo decidi visitá-lo. Eu nada sabia de sua vida. Estaria sozinho ou com alguém? Toquei a campainha e esperei. Os anos de silêncio e separação pesavam toneladas naquele momento. A mãe atendeu-me com surpresa e simpatia. Ela sabia da homossexualidade do filho e o apoiava. Durante o tempo em que estivemos juntos, foi a única testemunha do nosso amor secreto. Convidou-me para entrar e disse que o Felipe havia saído, mas voltaria logo. Rever aquela sala, os máveis, sentir o cheiro... Que emoção! As lembranças vieram quase doloridas. Vivi meus melhores e mais verdadeiros momentos ali. Minha pele arrepiava-se e minha alma transcendia o corpo.
Ouvi o portão abrir-se. Meu coração disparou – era ele quem voltava de um tempo que foi para mim o início de uma nova vida.
Deus meu! Tive vontade de chorar quando o vi. Ele sempre foi lindo, mas agora era um deus! Antes magrinho, havia moldado o corpo com músculos. Ganhara força e uma masculinidade pungente, que exalava uma sensualidade serena. A face de menino tornara-se mais madura e incisiva, muito embora continuasse meigo e parecesse cândido como um anjo de olhos azuis e cabelos dourados.
Ele estancou mudo e surpreso. Em mim uma angustia sensual irradiou-se por todo meu corpo, numa sofreguidão final e extasiante como a morte. Eu estava apartado de mim, com uma expressão reluzente, estranha e perigosa nos olhos, desejando-o em corpo e alma como se fosse um direito meu, provocando-o quando ele se mantinha quieto, oferecendo-me em todo o meu silêncio.
- Oi, Lipe – ousei começar. A voz saiu vacilante de emoção.
- Oi, Du – ele disse, visivelmente tocado.
Sentou-se ao meu lado no sofá e ficou me olhando, como se tudo não passasse de uma visão absurda.
- Há quanto tempo... – eu procurava encontrar as palavras que nunca viriam.
- É... Como você tá? – ele quis saber.
- Me divorciei há pouco tempo e saí da igreja.
O silêncio denso de um passado de dor se interpôs entre nás. Eu o abandonei, preferi escolher a convenção social, a fachada falsa de um prédio de enganos. E isso era ainda uma ferida aberta.
- E você? Casou? – tentei parecer engraçado.
Ele sorriu e o céu abriu-se para mim. Como senti falta daquele sorriso que tantas vezes acalmara meu espírito atormentado.
- Não, ainda não casei.
Parecia que um resquício dos velhos tempos estava brotando.
- Senti saudades de você, Lipe!
Decidi ser impetuoso como raras vezes fui na vida. Era meu destino que estava em jogo, e eu sabia que uma única palavra, uma simples palavra pode mudar toda uma vida. Já era hora de tomar meu futuro em minhas mãos. Mas é claro que eu temia por dentro, temia tudo o que poderia vir, principalmente uma rejeição.
Ele emudeceu e fitou o chão.
- Senti muito a sua falta – continuei.
Nossos olhares se encontraram definitivos. E pude ver um lampejo do amor que em outros tempos o Lipe me ofereceu com tanto ardor e paixão. Meu Deus! Ainda nos amávamos, não podia ser um engano meu, não podia!
Então, subitamente, ele se levantou e disse:
- Quero te mostrar uma coisa.
Pegou-me pela mão e eu estremeci de emoção à quele toque. Confesso que senti-lo me encheu de desejo e, excitado, tive uma ereção. Mas nada que pudesse ser percebido, pelo menos ele não notou, como depois me disse. Fomos para o seu quarto. Ele fechou a porta num átimo sinal. Depois disse com uma certa melancolia:
- Vivemos momentos lindos aqui.
Ambos olhávamos para a cama como se ali estivesse um monumento ao amor que vivemos. Então me mostrou um porta-retrato com uma foto minha. Claro que fiquei feliz e emocionado. Eu ainda era parte da vida dele. Mas na mesma cômoda em que estava a minha foto, havia outra do Felipe abraçado com um lindo rapaz moreno, um conhecido ator de teatro aqui de Fortaleza.
- Ele é seu amigo? – perguntei.
- Estamos nos relacionando há algum tempo.
Senti um cansaço no corpo e a alma esvaecer. Ele deve ter notado a dor nas minhas feições, pois falou com uma voz trêmula:
- Por que você me abandonou? Por que você me machucou tanto?
Nenhuma palavra poderia ser dita naquele momento sem parecer uma desculpa tola. Fiquei calado.
- Quando eu soube que você casou, pensei que não suportaria.
As lágrimas já nasciam nos olhos dele. Não pude mais suportar aquilo, fiz menção de ir embora, quando ele agarrou meu braço e me abraçou. Ficamos um bom tempo abraçados no meio do quarto, esperando que a eternidade tivesse um fim.
Mas depois desse instante, todo o quarto transformou-se e o tempo desvencilhou-se do passado e do futuro – sá existia aquele lugar e sá havia aquele momento.
Ele puxou minha blusa para cima, despiu-se da dele e sentamos na borda da cama. Seu peito estava musculoso, seus braços ganharam força. Lentamente, saboreando, rocei-lhe os mamilos com os lábios. Num e noutro, indo e voltando. Até que num ímpeto de desejo, dei uma leve mordida no biquinho ráseo. Ele gemeu baixinho de dor e prazer. Já ofegantes, esfregamos nossos peitos nus, sentimos a pele que queimava de tesão, enquanto nos beijávamos loucos, os lábios esmagados um no outro, as línguas devoradoras. Voltei ao peito dele, desci lentamente pela barriga, explorei seu umbigo com a língua, ao mesmo tempo que abria-lhe o zíper e encontrava os primeiros pelos loiros. Tirei as calças, abaixei a cueca e, ajoelhado no chão, enquanto ele permanecia sentado, envolvi seu pênis com minha boca sedenta. O cheiro e o gosto me fizeram delirar. Senti tanta falta daquele lindo e delicioso membro. Cheguei à base, lambendo daí até o alto, a língua roçando a ponta, bem na abertura dilatada. Envolvendo-o mais uma vez com minha boca quente e úmida, fazendo-o gemer súplice. Levantei-me e beijei sua boca. Ele me abraçou com carinho, me despiu por completo, colocou-me de bruços na cama e devagar enfiava a língua no meu ânus. E eu mordia a colcha, já quase desvairado com a sensação, e gemia lúbrico:
- Me come, Lipe! Me come!
Ele pôs um preservativo e veio para dentro de mim. Que maravilhoso! Fazia tempo que eu não era penetrado e doeu um pouco, mas logo a dor foi sobrepujada pelo prazer. Ele estocava e gemíamos como num cântico de amor. Mais uma vez sentia a respiração quente em meu ouvido, o membro duro e grande a me devassar deliciosamente, o suor que pingava em minhas costas e o céu que nos recebia como uma única alma, pois naquele instante não havia mais distinção entre mim e ele.
Gozamos juntos e como sempre ele virou meu rosto para trás, beijou-me a boca e disse:
- Eu te amo!
Ambos chorávamos. De tristeza. De alegria. De saudade. De prazer. De amor.
Acabamos rindo juntos de nossa dramaticidade quase infantil, mas com certeza fruto de um amor intenso. Ficamos um longo tempo observando a nudez do outro, tocando-nos como meninos curiosos, até que chegasse a minha vez e eu o penetrasse e de novo gozássemos, e outra vez ele me comesse, e mais uma vez eu dentro dele. Quatro vezes numa tarde. Nunca consegui dar mais de duas com minha esposa. Mas ali, juntos, nossos desejos não tinham limite.
Fomos para o banheiro, que ficava no quarto, e tomamos juntos uma ducha. Ele me abraçou e ficamos nos beijando, escorados na parede do banheiro. Eu comecei a lamber a orelha dele e sussurrava:
- Você me enlouquece, amor!
Ele dizia:
- Aguenta mais uma?
-Sá se você me comer, faz tempo e quero matar minha sede!
Ele respondia sorrindo:
- Indecente!
E ia enfiando o dedo em mim.
- Eu quero outra coisa aí dentro!
Deitamos no chão do banheiro, mas quando ia me virar de bruços ele disse:
- Não, fica de frente mesmo.
Não entendi. Como ele me penetraria? O Lipe, então, me colocou na clássica posição de frango assado e enfiou seu pênis em mim. Nunca tinha ouvido falar que dois homens podiam se amar daquele jeito. Pode parecer coisa de bobo, mas é que, enclausurado no casamento e na igreja, eu pouco conhecia de posições eráticas homossexuais. Mas foi uma coisa extraordinária. Poder amar meu homem, sentindo-o de frente, acariciando sua cabeça, como se eu fosse sua mulher, sua namorada e amante... Delicioso! Meu pênis duro roçava seu umbigo e me deixava desesperado de prazer. Fazíamos amor bem chegados um no outro, para sentir bem o corpo , a pele, o tesão que exalávamos. Pela quinta vez, chegamos a um orgasmo celestial e farto. Melei toda a barriga dele e ele me encheu de esperma mais uma vez. Ficamos um bom tempo deitados ali, nos acariciando de leve e saciados.
Ele vestiu um short e foi até a cozinha, enquanto fiquei nu na cama. Voltou com uma garrafa de vinho e duas taças. Depois de tirar o short e ficar nu outra vez, encheu as taças e bebemos na cama.
Súbito, o Lipe ergue sua taça, segura-a bem no alto com as duas mãos e diz:
- Este cálice é o novo testamento do meu sangue. Toda vez que o beberdes, fazei isso em memária de mim.
Rimos do seu ato profano, rimos porque já não temíamos a liberdade, rimos porque finalmente éramos felizes.
Este relato é um presente para você, Felipe, meu amor!