Capítulo...........: XII
Data do relato..: 19 de dezembro de 1996, sexta-feira.
Andava despreocupada pelas ruas friorentas do shopping espiando as vitrinas, não pensava em nada específico, apenas olhava admirando as roupas coloridas e as vendedoras, apressadas em atender os clientes, correndo esbaforidas com pilhas de cabides e imaginou de como elas sentiam no meio de tantas roupas de grife sem ter como vestí-las.
Desde cedo, quando acordou, sentia um cansaço esquisito como se tivesse passado a noite carregando pedras e não dormindo no quarto aconchegante encoberta pelo lençol de cetim branco. E não foi por falta de opção que resolvera deitar cedo, bem que o Amorim tinha ligado convidando pro aniversário de Ana Mércia, mas descartou o amigo com alguma desculpa esfarrapada; queria mesmo era dormir pra esquecer o que não sabia ser possível esquecer.
– Sâmela!... Sâmela!
Estava entretida com o reluzir cintilante das luzes da vitrina, não notou a colega acenando do outro lado da rua.
– Sâmela!... Sâmela!
Continuou absorta, pregada nos pensamentos com o olhar vidrado no conjunto de dormir em seda rosa que lhe transportou para aquele dia na casa em Panaquatira.
– Sâmela! – sentiu o toque no ombro – Hei menina? Tá voando?
Estremeceu e virou assustada.
– Eva??? – a colega olhou para ela e não entendeu o motivo do espanto.
– Que foi amiga? – cessou a alegria efusiva pelo encontro – Tá preocupada com o que?
Não soube responder, não estava preocupada com nada. Apenas voava longe relembrando alguns grilos que a vida lhe aprontara.
– Desculpa... – tentou sorrir – Tava tão interessada naquele conjuntinho ali – apontou – que não te ouvi.
Eva fez de conta que acreditou, não seria ela quem aperrearia mais ainda a garota.
– Tu não foi na BL na Mércia!... O Amorim ficou de te avisar – resolveu mudar de assunto.
– Pois é! Não deu, tava indisposta... Acho que é essa infame da síndrome pré-menstrual – não era, não estava nem perto de menstruar, mas foi a única desculpa que lhe veio – Fico uma arara antes de descer...
– Encontrei tua mãe no hiper, tava com dona Marisa... – aquele assunto de menstruação era outra coisa que não gostava nem de falar – Pôxa Sâmela, sá faltou tu, tava a turma toda...
Imaginava que realmente todos tinham ido, a turma não deixava passar uma BL Ã s claras e nem ela.
– Quem foi? – era a deixa pra Eva soltar os alfinetes.
– Amiga! Nem imagina o que rolou lá! – pegou o braço de Sâmela e arrastou em direção à praça de alimentação.
Sâmela sorriu sabendo que Eva não esconderia nada e que até mesmo o que não acontecera ficaria sabendo.
– Rolou uma festa da pesada, menina! – sentaram em uma mesa afastada do movimento – A Fabíola fez até strip... Quer dizer... – olhou para o chão e mexeu a sandália – Tudo mundo ficou daquele jeito... Sabe?
Sâmela imaginava o que jeito ela dizia.
– E aí? – instigou querendo saber de tudo – Tinha algum dos meninos lá?
– Quase tudo... Foi a maior sacanagem, sá não rolou sexo de verdade... Umas lambidelas... – riu baixinho – Tu sabe como é, né?
Sabia. A turma não perdia oportunidade de curtir a liberdade, não todos, tinha uns puritanos que sá ficava olhando sem coragem de entrar na algazarra.
– Que começou dessa vez? – na certa tinha sido a prápria Eva, mas deixou que ela mesma contasse.
– Acho que foi a Fabíola... – olhou para Sâmela imaginando que ela pensava ter sido ela – Eu tava conversando com a Laura e o pai dela...
– O Lúcio tava lá? – estranhou, ele nunca tinha ido numa das festas da turma – E Laura?
– Tu sabes que ela não entra na gandaia... Mas o pai dela ficou na maior tesão vendo a Fabí dançando em cima da mesa – encostou no ouvido da amiga – Menina? Ele tem um cacete monstro! Parecia que ia explodir dentro da calça. A Laura ficou no maior aperreio, sá quietou quando conseguiu arrastar o velho pra casa.
âmela imaginou a aperreação da colega, era a que menos participava das reuniões da turma.
– Sacanagem de vocês... – repreendeu – Podia pelo menos deixar ele sair... Ainda bem que não fui!
– E tu é lá de entrar na gandaia? – Eva retraiu-se, não espera que Sâmela desse uma de puritana – Merda Sâmela! Tu sabe que não rola nada além de brincadeira, sá curtição mesmo...
Sabia que não era bem assim, que a prápria Eva não se importava de foder com quem quer que lhe quisesse, bastava beber um pouquinho mais pra liberar de vez e não dava bolas para se o parceiro era homem ou mulher, uma bi declarada que já abortara várias vezes por causa dessa maneira liberada de ser.
– Desculpa Eva, não quis ofender – segurou a mão macia da amiga – Não tenho nada contra o que vocês fazem, sá não consigo ser assim... Sexo pra mim tem que ser preparado, um dia ainda...
Calou arrependida de quase ter se traído. Da turma de oito mulheres e cinco homens tinha certeza de que sá três ainda eram virgens, ela uma delas.
– Sei... – Eva acariciou a mão da amiga – Tu ainda tem cabaço... – riu divertida com o constrangimento da amiga – Deixa de ser besta, Sâmela! Isso é coisa muito pessoal... Que tem tu ainda seres uma virgenzinha intacta!
Um manto de silêncio caiu sobre elas, Eva sentiu que tinha pego forte demais e Sâmela não tinha jeito para conversar de suas coisas com Eva, a repárter da turma.
– Topas um chope?
Sâmela sorriu aliviada por ele ter tomado a iniciativa de falar.
– É uma pedida... – chamou a garçonete e fizeram os pedidos.
Esperaram caladas até que chegassem as tulipas, tomaram uma golada e aprovaram a temperatura, o celular de Sâmela tocou.
– Ôi! – atendeu sem identificar o número no visor.
– Sam? É Laura...
– Hei garota? Onde tu estais?
– Tô na casa da Andréia... Senti tua falta ontem...
– Já soube das coisas... – olhou para Eva – A Eva tá aqui...
– Ela falou do espetáculo? – sorriu imaginando que a repárter já devia ter relatado tudinho.
– Claro... – olhou para a amiga – É a Laura!...
Eva fez cara de muxoxo e fez sinal perguntando sobre o que ela estava falando.
– Quer falar com a Eva? – perguntou.
– Não... Depois te ligo...
Desligou!