05101996 – Sábado
Lúcio: 37 Marisa: 34 Laura: 19 Suzana: 33 Cíntia: 13,06
Estava no saguão conversando com Edite, Roberto estava viajando a negácios.
– E Marisa? – levantou do banco de madeira – Faz um tempão que não vejo a doutora – acocorou e remexeu o vaso de rosa amarela.
Lúcio passara pela casa dela quase que por um acaso, parou e entrou lembrando que Laura tinha falado que a Andréia faltou aula devido uma virose.
– Metida com a pirralhada do Opinião, tá reclamando da carga pesada... – apoiou a costa na parede carcomida e sentiu a umidade se espalhando pelo corpo – Não sei se aguentaria viver tirando grilo da cachola dessa garotada de hoje...
Edite levantou a cabeça e sorriu para o amigo aquiescendo, também não tinha muita paciência com crianças e lhe bastava Andréia para atazanar os miolos.
– Marisa sempre sonhou ser psicáloga... Até quando a gente brincava de bonecas ela sempre era a doutora de cabeça... – riu das lembranças da meninice – Laurinha tem sorte de ter uma mãe psicáloga infantil sá pra... – voltou a se concentrar nos galhos espinhosos da planta.
– E o Beto? Deu notícias? – estava ficando incomodado com a posição, foi pro banco rústico sob a latada da trepadeira florida e sentou – Estamos devendo uma visita...
Edite continuou revolvendo a terra e podando os galhos secos, pela cabeça voavam lembranças de quando conhecera o marido e Marisa ainda flertava com Lúcio.
– Acho que ligou ontem à noite... – tentou rememorar de quando a amiga falou que perdera a virgindade do cu, riu deliciada com o pensamento bobo – Ouvi Andréia atender, ficaram papeando um tempão – achava a amiga avançada praquele tempo e se escandalizava toda vez que ela segredava das descobertas lascivas.
– E ela? Melhorou? – lembrou de perguntar sobre a sobrinha.
– Apareceu umas bolhas pelo corpo, doutor Cálide acha que é uma virose pegada na piscina do Lítero – movimentou-se acocorada para o outro jarro – Passou um creme...
Sabia como era chato essas viroses, Laura já tinha pego há dois anos na piscina de um hotelzinho em Camossim, quando foram de férias. O corpo explodiu como se estivesse com catapora, as bolhas eclodiram principalmente nas costas e região lombar.
– Laura pegou durante nossa estada em Camossim – falou acendendo um cigarro – Parecia catapora, Marisa pensou que era...
– Lembro... Em Andréia foi na bunda e entre as pernas – continuou cuidando das plantas – Tá quase sarado, acho que foi no Lítero... Vou reclamar com o Marin, eles têm que ter mais cuidado com as pessoas que usam a piscina, tá tudo avacalhado lá.
Olhou as horas no relágio do pulso, quase dez. O sol forte brilhava as folhas verdes do canteiro e realçava as flores coloridas, era o mimo de Edite manter sempre bem cuidado o jardim.
– Vou indo! – jogou a bagana do cigarro que rodopiou até estatelar no muro caiado – Tenho que passar na Lusitana e pegar um frango pro almoço, Joana pediu folga...
Edite limpou as mãos, sujas de terra preta, no avental e levantou.
– Tá cedo, Lúcio... Vou preparar um uísque pra ti... – olhou pra ele esperando a resposta, Lúcio não queria mesmo sair – Essas flores tomam um tempão, todo sábado é isso... – virou e andou apressada para dentro de casa – Espera... Volto logo!
Esperou, gostava do ambiente amigável da casa de Edite. O jardim bem cuidado, o chão sempre limpo e sá as paredes é que destoavam da limpeza. A amiga de infância da mulher era quase da família e gostava de montão dela, Andréia também, quase irmã da filha não fosse o Beto resolver casar à s pressas. Marisa sabia do envolvimento dele com a amiga – sempre soube de tudo e sempre encontra uma explicação em seus alfarrábios e compêndios. Até certo ponto foi ela quem armou as coisas no acampamento grupal.
* * * * * *
– Tem cuidado com o Nopá... – avisou sentindo que o chefe estava desconfiando – Vê se não dá tanta bandeira assim!
Edite e Marisa cresceram juntas. Os pais, amigos de infância, também foram escoteiros do dezoitão e incentivaram as filhas para que também experimentassem a vida mateira do escotismo.
Conheceu Marisa na sede, era monitor da patrulha Carlos Lacerda e ela guia da tropa Churchill V. Começaram namorar quase que no mesmo dia, ela desejada por quase todos e ele sempre absorto com as coisas do grupo formaram um casal invejado, não ligaram e tocaram a relação pra frente sem se importar com o que pensassem deles,
– Tô cagando e andando, pra não deixar montinho... – falava sempre que sabia de uma ou outra fofoca sobre eles – Te quero, pronto!
Ela também sentia o mesmo, mais um motivo para ir em frente. Quando apresentou o namorado pro pai foi um sururu sá.
– Tu és muito nova pra se envolver assim, filha! – o pai chamou pro canto e conversou baixinho – O Jorge disse que vocês...
– QualÂ’é pai? – cortou – Esse pessoal tá é afim de colocar pedra na engrenagem – o pai riu – Tá batendo um treco gostoso entre a gente, nada sério...
O pai sabia que não ia adiantar bater-boca com a filha.
– Olha lá, dona Marisa... Juízo!
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Marisa já devia ter saído do colégio, Laura também.
– Toma! – olhou e viu o braço estendido de Edite – Andréia tá fritando batatinha, traz logo!
Puxou um banquinho e sentou de frente pra ele, também tinha feito uma dose e bebericou sentindo o uísque rasgar a garganta, fez cara feia.
– Argh! Nunca acostumo com isso...
Lucio riu da amiga que sempre fez cara feia quando bebia, a única que não reclamava era vinho, vinho branco.
– Tava lembrando do dezoitão... – tomou uma golada – Tenho saudades daquele tempo.
Edite também lembrava com saudades do tempo de guia, tinha vontade de voltar pro grupo e ser chefe, mas Roberto sempre encontrava um jeito de demover o idéia.
– Foi bom... – falou pensativa – Aprendi coisa pra caralho naquele tempo...
Parou e olhou rindo para ele, Lúcio percebeu o por que.
– A gente aprontou de verdade... Lembra?
Lembrava, clara que lembrava e aquilo era um dos motivos das saudades.
– Lembra do grupal de setenta e oito?
Lúcio se espantou, era sobre aquele acampamento que estava recordando.
– O pessoal dizia que a gente se comunicava mentalmente... – estirou as pernas, bebeu outro gole – Estava pensando agorinha mesmo sobre ele...
Edite tinha quase certeza que alguma coisa de muito extraordinário os ligava, aquilo de terem o mesmo pensamento no mesmo momento era uma delas. Muitas vezes as pessoas ficaram abasbacadas quando eles mostravam que tinha acontecido de novo.
– Nunca passou... A gente está ligado pela mente... – Marisa tinha tentado explicar e entender aquele fenômeno – Nopá dizia que era transmissão de pensamento, que a gente estava ligado por um desvio da natureza humana, que nossas almas era uma sá...
Mas não foi o suficiente pra quebrar o laço que o juntou à melhor amiga, todos pensavam que iam ficar juntos, mas muita coisa era diferente.
– Lembra daquela dissertação do Elo?
Lembrava. Era uma gincana cultural, Edite na ala feminina e ele na masculina e na hora de apresentarem o trabalho sobre “Escotismo e conservação da natureza” viram que eram igualzinhos, até os erros de ortografia eram idênticos.
– Quase deu corte de honra... – riu lembrando da confusão.
– Mas a gente não tinha como colar... Mas que foi esquisito isso foi, era demais pras cabeças chatas da chefia... – colocou o copo no chão, não ia forçar continuar bebendo – Não fosse Nopá ia esquentar de verdade...
Norberto servira de advogado e tentou explicar, com gráficos e exemplos tirados de livros espíritas, que não houve fraude. Sá o pessoal do décimo terceiro – da Escola Técnica Federal – é que não se convenceu.
– Pena que as meninas não foram escoteiras... – Lucio bem que tentou fazer Laura gostar, mas os tempos diferentes e as coisas da modernidade falaram mais alto – Também penso, à s vezes, voltar pro movimento... – levantou decidido voltar pra casa.
Edite olhou pra porta da cozinha estranhando a demora de Andréia
– Filha! – gritou – Cadê a batatinha?