VI.
[Continua]
O segundo encontro foi encerrado sem que meu "Mestre" marcasse um novo. Dei-me conta disso em desespero, quando acordei, no dia seguinte, sem saber se deveria ir encontrá-lo naquela tarde ou não. Depois das aulas, fui – achando que seria melhor aparecer do que não aparecer, mesmo que ele me desse um tapa na cara e me mandasse embora. Quando cheguei lá, não havia ninguém no apartamento. Ainda esperei por mais um tempo, tentando freneticamente me lembrar dos momentos finais. Por fim, voltei para casa e me dediquei a estudar. Se ele me quisesse de volta, diria. Sabia onde me encontrar.
Os dias se passaram e nada. Eu alternava entre o pânico e a calma. Pensei que poderia ser a tranquilidade antes da tempestade – que algo mais aconteceria. Que ele havia se cansado de mim e que iria agora levar a cabo seu plano maligno de arrasar a vida de Thales. Mas nada acontecia, o que me dava uma enorme esperança de que nada fosse continuar acontecendo. Talvez, o meu pesadelo houvesse chegado ao fim. Por via das dúvidas, nunca mais fui ao apartamento de Thales, argumentando com o meu noivo que era melhor não nos arriscarmos mais. Thales, claro, aceitou a minha decisão. Achou que era isso mesmo. As semanas se sucederam e eu me senti mais segura para voltar a encontrar Thales no cinema e até no planetário. Íamos sempre. Podíamos namorar. Eu estava feliz, feliz, feliz.
Quando o ano terminou, e eu passei com notas altíssimas – nem sei como consegui estudar para as provas finais! -, já tinha completado dezoito anos. Fomos ao cartário, meu noivo e eu, e demos entrada nos papéis. Um mês depois, casamos em segredo. Saí de casa dizendo que iria estudar com minhas amigas, para o Vestibular, e encontrei Thales. Ele trazia meu vestido de noiva, que eu havia comprado com o cartão de crédito dele. Era lindo. Simples, mas lindo. Eu me arrumei, passei uma maquiagem leve e fomos ao cartário. Thales estava de terno. Casamos numa cerimônia coletiva. Chorei muito. Não acreditava na minha sorte. Mesmo aquela cerimônia civil simples era a coisa mais romântica que já havia me acontecido. Fomos almoçar, eu e Thales, e passamos a nossa primeira tarde de casados em uma suíte cara de hotel. Foi quando perdi a minha virgindade, pela qual eu havia lutado bravamente – sá para ter aquele momento de satisfação ao lado do meu marido. Queria que fosse ele a ser o primeiro. Foi maravilhoso – absolutamente maravilhoso. Fizemos amor do jeito que eu sempre havia sonhado. Quando vi aquele sangue escorrer pelas minhas pernas, chorei de alegria. Thales me abraçava, apaixonado, sem entender o motivo de tantas lágrimas felizes. Mas ficou emocionado e o nosso primeiro dia como Sr. e Sra. Martins foi incrível.
Depois de haver sofrido nas mãos do sádico, uma coisa tenho a agradecer a ele – comunicar o meu casamento aos meus pais foi a coisa mais fácil do mundo. Já tinha o meu passaporte em mãos, certidão de casamento e visto para os Estados Unidos. Preparei-os para o baque e Thales apareceu em seguida. Explicamos tudo da melhor maneira possível, mas meu pai ficou uma fera. Disse que denunciaria Thales à escola (da qual Thales já estava desligado, pois iríamos partir dali a pouco tempo para os EUA), à polícia, ao Conselho Regional. Pobre Thales, tentava explicar tudo e meu pai vociferava, minha mãe chorava, foi aquele horror. Então, me levantei e disse: "Pai, pensa no que vai acontecer. Se você fizer tudo isso, não é sá o Thales que sofre, sou eu também. Se ele fosse um depravado, ninfomaníaco, como você tá dizendo, ele não teria se casado comigo. Eu me casei virgem, pra você ver que não foi desse jeito que você tá pensando!" – eu argumentei, com lágrimas nos olhos: "Eu tô feliz, pai. Tô feliz e casada. Tirei notas altas e passei no Vestibular. Me deixa ser feliz ao lado do meu marido, por tudo quanto é mais sagrado. Porque ele vai ser o pai dos seus netos e a gente vai ter que viver em família".
Acho que nunca fui tão eloquente na vida. Meu pai ficou parado, sem ação, e acabou concordando. Eu era maior de idade, tinha meu direito de ir e vir e fazer da vida o que eu bem entendesse. E a coisa que eu mais queria era ir embora do Brasil, começar a minha vida de casada longe de onde eu havia sofrido barbaridades na mão do sádico. Hoje em dia, meu pai até gosta do Thales – os dois se dão muito bem. Acho que o meu pai ficou aborrecido que tudo tivesse acontecido furtivamente, que Thales fosse o meu professor, que eu me casasse à s escondidas, sem festa, sem noivado. Mas o Thales mesmo era uma boa pessoa e os meus pais o tratam como um filho. A família de Thales também levou um choque, mas a aceitação foi muito mais fácil. Eu nem acreditava que estava finalmente livre do pesadelo. Em fevereiro daquele ano, embarcamos para os Estados Unidos. O curso de Thales sá começaria em agosto seguinte, mas ele já estava matriculado em uma extensão de Física, que faria antes da pás. Eu queria estudar inglês e Thales estava preocupado em dar entrada nos papéis para eu começar a cursar o College. Partimos. Embarquei no avião ao lado do meu marido e, quando vi o Brasil ficar para trás, respirei, aliviada. Estava segura agora.
Meu primeiro ano de casada foi um sonho. Alugamos um pequeno apartamento de quarto e sala num prédio de brownstones. A rua toda era de brownstones, cheia de árvores que floriam na primavera, ficavam vermelhas e marrons no outono e completamente nuas no inverno. Compramos todos nossos máveis lá. Pouca coisa, porque o apartamento era mesmo pequeno, mas foi um sonho. Eu e o meu marido escolhendo cada coisa, cada pequeno objeto. Foi quando me dei conta de que Thales tinha realmente dinheiro – vinha de família rica e eu nem tinha idéia do quão ricos eram até que ele abriu a conta conjunta e me deu cartão de crédito e todas essas coisas. Era rico e vivia uma vida simples. Não era para amá-lo ainda mais?
Quando tudo ficou pronto, eu adorava o meu ninho de amor. Tinha uma faxineira brasileira que vinha duas vezes por semana. Meus pais vieram e ficaram duas semanas conosco, hospedados em um hotel práximo. Passeamos muito pela Nova Inglaterra e acho que isso ajudou a aproximar Thales deles. Nossa rotina de casados era átima. Estudávamos o dia inteiro, que era o que mais gostávamos de fazer mesmo, e passávamos o todo o tempo livre juntos. O que era fácil, porque temos muita afinidade de gosto e de temperamento. Quando isso acontece, tudo é divertido – até a fazer a lavanderia e as compras de supermercado. Thales me ajudou a conseguir vaga em um College, que também começaria em agosto. Foi a melhor fase de toda a minha vida.
Eu havia perdido o contato com meus amigos e com minhas amigas. Apenas poucas pessoas ficaram sabendo que eu havia me casado com o Professor Thales Martins. Que a tal noiva Clarissa era eu. Eram essas poucas pessoas que tinham o meu endereço e telefone, na Virgínia. Falávamos por MSN, à s vezes por telefone. Minhas duas amigas mais práximas – a quem eu não havia contado nada, nada, nada enquanto ainda estava no Brasil – davam gritinhos de alegria quando eu falava das coisas mais bobas da nossa vida de casados. Quando eu mencionava um passeio, ou qualquer pequena rotina nossa. Era um sonho. Um perfeito sonho. Até que, um dia, o pesadelo reapareceu na forma de um silencioso e-mail. Remetente? Mestre das Artes. Eu já estava tão confortável e segura em minha nova vida que abri o e-mail sem sequer pensar naquele cretino. Meu choque não poderia ser mais avassalador.
Juro que não sei como não tive um ataque fulminante do coração. "Clarisse Cadela... olá! Pensou que eu iria me esquecer de você, sua putinha? Claro que não. Você foi embora sem me dizer adeus e isso é muita falta de educação, sabia? Não pediu permissão ao seu Mestre nem nada. Mas eu sou boa pessoa e guardo a melhor memária de cada cadela que eu educo e treino. Suas fotos estão no meu site. Deixo o link para você visitá-lo. Sua página é linda. Clarisse, a cadela virgem. Gostou do título? Soube que você está casada e vivendo nos Estados Unidos. Que tal uma visita, minha vadia? Será que o seu marido vai me agradecer por todas as habilidades especiais das quais ele desfruta agora? Ou será que o Thales nunca se perguntou como a virgenzinha dele é tão boa de cama? Sabe...? Acho que eu devo ao Thales o prazer daquelas fotos. Por isso, vou mandar também um link para ele abrir a sua página. Tenho certeza de que ele é do tipo que goza vendo foto de ninfeta. Ele vai adorar a dele, toda pregada, babando, gozando que nem cadela. Ou trepando com outra garota. Ou gozando com um pepino. Um beijo no grelo, minha linda escrava. Você ainda é minha, sabia? O MESTRE DAS ARTES".
Meu coração batia loucamente. Aquele homem cruel ainda me tinha em seu poder, apesar da distância e de todos os obstáculos. Mais tarde, eu descobriria que uma das minhas amigas, no MSN, desavisadamente, deu conta da minha vida para uma tal de "Melissa", que se dizia minha amiga. Foi assim que o Mestre das Artes continuou me seguindo. Entrei em um tal pânico que, por uns bons quinze minutos, eu sá olhava para aquela tela, totalmente paralisada. Então, tremendo, cliquei no link que ele deixara na mensagem. CLARISSE, A CADELA VIRGEM era o título da página. Ele pusera a minha foto, onde eu aparecia bonita e normal. Depois, havia uma galeria maldita e uma série de vídeos. Vários vídeos. Vendo aquilo, eu tive a impressão que a tal Clarisse cadela virgem – eu! – havia cooperado nas imagens. Não parecia nada forçado. A chantagem, o terror mental, nada transparecia nas imagens. Eu era a ninfeta que posava arregaçada, parecendo gozar intensamente com aquela loucura.
Thales... ele iria ver aquilo... eu não teria explicação a dar... teria, mas ele não acreditaria... comecei a chorar em desespero. Quis fugir. Quis entrar no e-mail dele e apagar a mensagem, mas não tive coragem. Thales havia me dado o login e a senha dele, mas isso seria abusar de sua confiança. Eu queria, queria, mas desistia. E fiquei nesse embate até ouvi-lo chegar em casa, todo feliz da vida. Isso decidiu a minha sorte. Que viesse a desgraça – pensei, quieta. Melhor acabar com isso de uma vez por todas. Thales estranhou a minha cara de enterro. "É dor de cabeça, meu amor..." – despistei, com um aspecto de quem está a ponto de enfartar. "Quer ir ao hospital? Você não parece nada bem!". "Não... eu tô bem... eu vou melhorar... quer comer alguma coisa...?". Thales riu, achando graça da mulherzinha dele – dodái e pensando no jantar do maridinho. Ele me fez ir para a cama e sentou-se ao computador, para ler as mensagens do dia. "Olha, se você não melhorar, eu vou insistir com o hospital. Deixa eu abrir os e-mails. Aí, eu peço um jantar pra gente... aquele restaurante chinês que você gosta. Pode ser?". "Pode..." – gemi, lívida de medo, enquanto o meu marido abria a caixa postal.
Havia uma porção de novos e-mails. Fechei os olhos e esperei pelo pior. "Nossa... a minha irmã terminou com o namorado dela... caramba, deve ser o décimo, sá esse ano... a Luzia não toma jeito..." – ele comentava – "Hmm... estão querendo comprar o nosso apartamento, em São Paulo... Clarisse...?". "Oi...?". "Ouviu isso? A Janete, da imobiliária, mandou um e-mail. Disse que tem um sujeito querendo comprar o nosso apartamento. Não sei. O que você acha?". "Não sei..." – gemi. "Quando a gente voltar pro Brasil, vai precisar de um apartamento maior. Mas, sei lá... foi lá que a gente transou pela primeira vez... quer dizer... é, transou... daquele jeito, mas transou. Acho que eu sou meio nostálgico com essas coisas". "Thales, eu..." – eu queria que ele vendesse. Eu não voltaria mais à quela rua. Nunca mais. Se pudesse, não deixaria mais os EUA. Mas, ao mesmo tempo, tinha a sensação de que nem na lua estaria segura. Talvez fosse melhor contar logo toda a verdade. "Ai, que saco!" – ele reclamou, sem se dar conta do meu estado de angústia: "Não adianta a gente instalar esses anti-spams. Olha sá. Mestre das Artes".
Se eu achava que havia escapado de um infarto fulminante inexplicavelmente, quando abri o e-mail do desgraçado, foi ainda mais inexplicável salvar-me de outro infarto naquele exato momento. "Pronto... marquei como spam. Mas que inferno! Essa gente não tem mais o que fazer? Deve ser vírus". A minha alma saiu pela minha boca, deu dois segundos e retornou ao meu corpo. A cabeça pulsava tão violentamente que eu levei um tempo até ter coragem de olhar para o Thales de novo. "Neném, você não parece nada legal. Tem certeza que você não quer ver um médico?". "Eu tô bem... tô melhorando....".
Mas eu não estava e sá fui ficando pior. Aquilo não teria fim, nunca mais. Era o que eu achava. Todos os dias, eu vasculhava as minhas mensagens. Deixei o MSN de lado. E visitava aquele site todos os dias. Quanto tempo até aquilo ser visitado por algum conhecido nosso? Por alguém da família do Thales? Alguém da minha família? Eu me via nas fotos e me lembrava daquele pesadelo horrível. Via os filmes. Nossa, era horrível. O vídeo em que a garota transava comigo parecia uma produção pornô profissional. Eu gozava nas cenas. Nunca conseguiria explicar aquilo ao Thales. Nunca conseguiria explicar que, depois da sevícia, aquela garota havia sido gentil comigo. Nunca conseguiria explicar que eu havia sido forçada. Não parecia nada forçado. Ela me beijava, me lambia, me chupava, e eu gozava loucamente. Chegava a apertar os lábios, a gemer de um jeito profundamente satisfeito.
Primeiro, vieram os pesadelos. Eu dormia e sonhava com as cenas que havia vivido. Depois, veio a febre. Uma inexplicável febre alta que me levou várias vezes ao hospital e que, aparentemente, não tinha motivo. Aquilo estava deixando Thales em pânico. Faziam inúmeros exames e nada aparecia. Não era infecção, não era vírus, não era nada que a medicina pudesse determinar. Em seguida, vieram as tonturas e os desmaios. Eu ficava tonta e perdia os sentidos. Caía em sala de aula, na rua, em casa, em qualquer lugar. Naquela época, o Mestre das Artes bombardeava a minha caixa postal com uma mensagem por dia pelo menos. "Clarisse cadela... estou com vontade de ir aos Estados Unidos...". às vezes, era sá uma linha, mas eu entrava em tal estado de pânico, que era como se ele estivesse me dando até o número do vôo.
Eu estava ficando fraca. Não comia mais direito. Perdi peso, estava pálida e com cara de doente. Tinha pesadelos, febre alta e desmaiava por um motivo que ninguém sabia dizer direito qual era. Thales ligava para médicos, me levava ao hospital, pedia ajuda aos professores de medicina na Universidade. Fui examinada diversas vezes e sá ficava pior. Uma noite, me levantei da cama, meio trôpega, e ouvi o meu marido ao telefone, na sala, falando baixinho. Ele chorava. "Não sei, Luzia... ninguém sabe o que é... a Clarisse tá se acabando e ninguém sabe o que é... tem que ser alguma coisa... não é possível... até tomografia da cabeça já tiraram... eu tô com medo... tô com medo de ser um tumor, uma coisa sem cura... eu não sei mais o que fazer..." – ele dizia, limpando as lágrimas do rosto – "Hoje, o Dr. Donaldson me aconselhou a levar a Clarisse a um hospital em Boston... eu vou, eu faço qualquer coisa". Fiquei arrasada. Ouvir o Thales dizer aquelas coisas foi um soco na boca do estômago.
Tive que criar coragem, mas enfim chamei Thales e contei tudo. Foi a coisa mais difícil e horrível que eu já tive que fazer na vida. Foi pior do que viver todas aquelas coisas na mão do sádico. Porque, ao contar aquela desgraça toda para o meu marido, eu enfim levei a cabo o plano do Mestre das Artes. Eu sentia que apunhalava o Thales e que colocava uma pá de cal no nosso romance. Chorava muito, sem parar. Thales ouviu tudo com um ar abobalhado que, aos poucos, foi ganhando ar de horror. Contei tudo. Cada coisa. Tinha medo que ele olhasse as fotos e visse os vídeos. Mas ofereci o tal link, se ele quisesse ter idéia do que havia sido a minha desventura. Era o motivo pelo qual eu estava me acabando e, para isso, nenhum hospital em Boston teria serventia. Thales ficou lívido. "Mas... por que você não me disse nada...?" – ele gaguejou, confuso, magoado, horrorizado. "Eu não podia... aquele homem queria denunciar você... ele tinha fotos... nossas...". – tentei explicar, aos prantos. "Você não confiou em mim, Clarisse... você não confiou em mim".
Para o meu terror, Thales se levantou da beirada da cama e disse que iria sair. Corri atrás dele, me joguei aos pés dele, pedi, implorei, mas ele me afastou. Parecia enojado. Disse que precisava pensar. Pensar em quê? Oh, ele iria me deixar. Eu não era mais a Clarisse Neném, o anjo pelo qual ele havia se apaixonado. Eu havia virado a Clarisse Cadela Virgem do site. E talvez fosse mesmo. Vadia, putinha, vagabunda, pregada, fodida no cu por um vibrador, arregaçada, trepando com uma garota, gozando, e engolindo porra de um lunático. Fiquei sozinha, naquele apartamento que era o meu refúgio amado, e uma única coisa me ocorreu. Que eu deveria dar fim à minha vida e acabar logo de vez com o domínio que aquele sádico tinha sobre mim. Eu nem mais gostava de mim mesma. Havia me comportado como uma vagabunda e, quem sabe?, talvez tivesse mesmo gostado da aventura. Havia ofendido e magoado Thales. E estaria sempre à mercê do chantagista. Então, talvez fosse hora de dar fim à agonia. E esse último prazer ao meu Mestre.
Fui até a cozinha e abri o forno. Liguei o gás. Ia enfiar a minha cabeça dentro do forno quando me deu medo de que o apartamento explodisse e alguém mais se ferisse. Isso é coisa de quem quer se matar? Pensei nos vizinhos. Tinha uma vizinha com três crianças pequenas, uma das quais recém nascida. Não tive coragem. Vai que essa droga explode. Desliguei o gás. Então, peguei uma faca de cozinha, bem afiada. Chorei muito, porque nunca pensei que iria tirar a minha vida. Mas fui para o banheiro e abri a torneira de água quente da banheira. Era um jeito de morrer sem dor – eu imaginava. Entrei na água de camisola e tudo, olhando para o meu pulso. Chorei, chorei, pensei um pouco e zás – passei a lâmina afiada na pele fina do meu pulso. O efeito foi imediato. A pressão vai caindo, o sangue jorrando e você vai ficando mole, mole, mole. Olhei o outro pulso. Eu tremia. Acho que já não tinha mais força para cortar a pele. Foi quando ouvi a voz de Thales. "Clarisse? Clarisse, Neném, cadê você? Me perdoe, meu amor... Eu sou um idiota. Por favor, me perdoe. Eu te amo tanto!". Eu não tinha mais força para gritar. Fui escorregando naquela água quente, que era tão agradável. Estava me esvaindo em sangue e morrendo, aos poucos. Já ia fechando os olhos quando vi Thales abrir a porta do banheiro e gritar, horrorizado. "Clarisse, não! Não, não, não, não! Neném, acorda, acorda!". Ele me puxou para fora, rasgou a prápria camisa e fez um torniquete no meu pulso. Chorava, desesperado. Chamou os paramédicos e me levou de ambulância para o hospital. Quando acordei, estava num quarto, com os braços presos nas grades da cama – é assim que fazem com as pessoas que tentaram suicídio. Haviam feito um curativo no meu pulso e me davam soro. Sentado ao meu lado, Thales chorava. Tinha a camisa rasgada e suja de sangue. Eu devia estar delirando, porque olhei para ele e disse: "Ah... a camisa que eu te dei... que pena...". Thales riu e foi me abraçar.
Meus pais foram à polícia e deram queixa. Deram o endereço do apartamento. O endereço do site. Dei um depoimento à polícia local – depoimento esse que foi registrado e traduzido, no Brasil. O site saiu do ar, mas isso é besteira, porque a coisa mais fácil do mundo é armar um site em outro provedor. Minhas fotos e vídeos devem rodar por aí, na internet. Sobre isso, não teremos nunca total controle. Paciência. Infelizmente, o sujeito nunca foi encontrado, embora a polícia tenha conseguido desbaratar um grupo de sado-masoquismo que brutalizava garotas como eu. Garotas até mais velhas. Aquele apartamento era um antro e muita gente foi presa. Gente até importante, mas não vou dar detalhes porque a coisa toda corre em sigilo de Justiça, já que envolve menores de idade.
Hoje, continuo nos Estados Unidos. Estou terminando o College e vou fazer faculdade de Física. Estamos morando agora em Cambridge, Massachusetts, porque Thales conseguiu um emprego no MIT. Vai trabalhar com pesquisa pura em Física Quântica. Sabe? Adoro a minha vida. Estamos planejando ter o nosso primeiro bebê em breve, quando eu acabar as provas finais. E aqui termina a minha histária - para vocês, claro, porque ela continua divinamente para mim e para o meu marido.
-- FIM --